Todo mundo estava sofrendo, sofrendo muito, e eu estava bem, para os outros e para mim mesma... Eu não tinha uma dor forte no momento.
E aí eu comecei a "procurar", literalmente, quais eram as minhas dores.
Quem me alertou foi minha filha: "Mãe, você quer competir com as outras? Você está em busca de uma grande dor? Tá maluca?"
Eu que disse não tomar posse da dor e não deixá-la ser minha, estava em busca... de uma dor ...
Eu queria contar para as meninas que eu estava pior que elas.
Uma espécie de competição!!! Que horror!!!
Depois que minha filha saiu caiu a ficha.
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Aqui na casa dela eu peguei uma gripe e tanto. Talvez não tenha sido tão forte, mas gripe em portador de SS é pior que em qualquer pessoa.
Três dias horríveis: febre alta, dores no corpo, dor de cabeça insuportável, a parótida inflamada, inchada, doendo demais. Achei que seria preciso voltar a BH de ambulância.
No quarto dia eu saí da cama e fui coordenar uma oficina de Natal. Móbiles, chaveiros e brincos para uma turma de adolescentes que estão apreendidos em uma casa de acolhimento. São meninos que antigamente chamaríamos de "infratores". Não se fala mais assim - eles são menores em conflito com a lei.
Tem entre 13 e 17 anos, alguns com penas por volta de 3 anos de recolhimento.
Três anos aprisionados!!!
São meninos que não tem família, ou, se tem, fugiram de casa por causa dos mau tratos.
Triste demais.
Eles são carentes de tudo, como já disse no meu outro blog, especialmente de amor.
Desenvolvi com eles alguns trabalhos com pedras, correntes, miçangas, fio de nylon, feltro e malha. Tudo reciclado, reutilizado. A comunidade doa e nós usamos.
Na minha visão, eles fizeram um trabalho sensacional. Nunca tinham feito um chaveiro ou um brinco e conseguiram fazer maravilhas.
No quinto dia, após o início da gripe, eu já nem me lembrava mais como estava mal.
Passamos a desenvolver um trabalho voltado para o Natal: Móbiles e enfeites natalinos. Eles já receberam algumas encomendas.
Eu tenho que voltar para BH, outra pessoa vai se encarregar de monitorar a confecção das peças, e já estou triste só de pensar que não vou trabalhar com eles. Quando eu retornar, alguns já terão ido para outro local, cumprir as suas penas. Outros estarão soltos, prontos para recomeçar a luta diária por um lugar... na casa de acolhimento, com comida farta, banho quente e roupa limpa - eles furtam para serem presos, eles pedem aos policiais que os prendam para conseguir um lugar para ficar...
Viver é isso, uma luta diária para dar um sentido à dor. Continuo achando que a dor tem que ter um propósito. Acho um absurdo sentir dor, absurdo maior sentir dor e não dar a ela um sentido. Bjks. Neli Alves